segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Ricardo Chaves - Um Pai Especial...

Ricardo Chaves apareceu nos nossos televisores como o ex-tesoureiro da Raríssimas. Hoje vamos pôr de lado as facturas e falar com o pai Ricardo.


1 - Para quem não sabe, o Ricardo é pai de um menino com Síndrome de Angelman, uma condição bastante rara. O que lhe passou pelo coração quando o informaram acerca do diagnóstico?

O diagnóstico foi no estrangeiro. Durante anos em Portugal, ninguém descobriu o diagnóstico do Afonso. (...) Os médicos diziam que muitas vezes não se chega a descobrir o diagnóstico e que também não era necessário, porque só seria importante, se existisse uma cura.  Assim, durante anos, o Fonfas foi mais um que foi parar ao saco da Paralisia Cerebral. Após um dia ter ouvido da boca da neuropediatra do Afonso, que já não havia mais exames para fazer em Portugal, decidi ir buscar uma segunda opinião. Falei com o CIREN em Cuba que aceitou estudar o caso dele, íamos passar os dois, 3 semanas em Cuba! Por azar, escassos dias antes da viagem, o Afonso faz uma fractura exposta num dedo da mão e a viagem teve que ser adiada…

Entretanto, depois de falar com alguns médicos, houve um que me falou no GOSH, o Great Ormond Street Hospital, que é um dos melhores da Mundo em termos de neuro-pediatria. (...) Assim que chegámos, perguntei a um médico se iam conseguir um diagnóstico para o Afonso e a resposta (comparar com o que os médicos diziam em Portugal e tentar não rir) «temos a certeza que encontramos o diagnóstico, se não encontrarmos, introduzimos os dados na nossa base de dados, e seguramente que havemos de chegar lá».

Ao segundo dia fui falar com um médico, que me disse claramente que o Afonso nunca iria falar. Foi um choque muito grande. Ainda lhe perguntei como poderia ditar uma sentença dessas, se ainda não tinha feito nenhum exame, nem conhecia o Afonso. Ele disse: «pela minha experiência, se uma criança com 6 anos, não diz nenhuma palavra, dificilmente virá a falar em adulto». Lembro-me de ter chorado a valer nesse dia, enquanto almoçávamos. Mas a verdade é que aquele médico tinha razão e teve coragem para me dizer aquilo, em vez de me dar uma palmadinha nas costas… O diagnóstico viria ao fim da tarde desse dia, quando uma fisiatra a quem perguntei se conhecia outros meninos como o Afonso, me falou na síndrome do Fantoche Feliz (Happy Puppet Síndrome), que era o outro nome porque são conhecidos os Angelmans, porque quando pequenos estão sempre a sorrir e andam com os braços no ar, como Fantoches. 

Nessa mesma noite fartei-me de pesquisar vídeos no youtube e finalmente pude relaxar, porque percebi o que seria o meu filho no futuro e o que poderia esperar. Nos dias seguintes liguei para a linha rara  e pedi que me pusessem em contacto com todos os familiares de miúdos com Angelman em Portugal. Comecei a trocar emails com eles, experiências, criámos uma comunidade e ao fim de um ano, foi fundada a Associação Angel, da qual fui o primeiro presidente. Saí quando fui convidado para ir para a direcção da Raríssimas, em Janeiro de 2016. 


2 – Muitas vezes estas crianças são olhadas pelos outros com um sentimento de pena. Eu gosto de pensar que são um ser humano tal como nós, apenas com uma visão diferente do mundo. Houve algum olhar ou alguma frase por parte de uma ou outra pessoa que o marcou?

Ao princípio custava-me um bocado que as pessoas o olhassem com pena, mas o Afonso quebra o gelo e abraça toda a gente. Eu tento fazer tudo o que posso com o Afonso, até já o levei ao Estádio da Luz, não que ele perceba alguma coisa do que se está a passar, mas tento proporcionar todo o tipo de experiências. Não me preocupa o que os outros possam dizer ou como o possam olhar, se me preocupasse com isso, teríamos que ficar fechados em casa e o Afonso adora passear.






3 – As crianças com Síndrome de Angelman são conhecidas por terem um sorriso contagiante. Esse sorriso do seu filho contagia a sua família? Que sentimento lhe desperta esse sorriso?

O Afonso não é capaz de estar de mau humor, parece sempre feliz. É difícil que fiquemos chateados, quando temos connosco alguém que está sempre a sorrir. Se faz uma asneira e lhe levanto a mão e ele começa a rir, eu acabo por rir também. Não é fácil chatearmo-nos com ele, nem mesmo quando ele se enfia todo vestido dentro de uma banheira cheia de água, cinco minutos antes de sair de casa a uma segunda de manhã (os anjos são fascinados por água).


4 - Muitas vezes a sociedade associa este tipo de condições a sentimentos negativos. Pela sua experiência, queria que contasse aos leitores quais são os aspectos positivos de ser pai de alguém tão especial...

O Afonso tornou-me uma pessoa muito melhor. Não tenho dúvidas que se não fosse por ele, a vida ia-me passar completamente ao lado. Às vezes preocupamo-nos com coisas tão insignificantes e não chegamos a dar o real valor às coisas que interessam.

Lembro-me durante a minha carreira profissional de estar perante situações de imenso stress, e estar toda a gente à minha volta a ‘passar-se’ e eu a dizer isto é um problema menor, vai-se resolver, o do meu filho não, esse sim é um problema grave… passei a encarar a vida de outra forma.


5 – Ricardo, acha que é importante passar a mensagem de que as famílias que possuem um membro diferente do que é considerado normal para a sociedade, são no fundo famílias comuns? Ou por outras palavras, o que torna a sua família comum?

Não creio que sejam famílias comuns. Ter uma criança diferente dá muito mais trabalho. Somos obrigados a muito mais tarefas, é uma exigência muito maior a uma família com crianças ditas normais. Creio que deveriam existir mais facilidades a nível de emprego (redução de horário de trabalho por exemplo) para quem tem uma criança diferente. Também deveria ser obrigatório o descanso do cuidador. Ou seja, o Estado proporcionar a quem tem uma criança totalmente dependente, uma solução para pelo menos uma vez por mês, os pais irem ao cinema, ou um fim-de-semana fora e pelo menos uma semana de férias por ano, sem a criança. Os pais precisam de descansar, porque é muito exigente física e psiocologicamente.


6 – E para terminar, qual foi a maior lição que o seu filho lhe ensinou até hoje?

Já aprendi imensas lições com o Afonso, em especial com a coragem dele e a força de vontade para fazer aquilo que para nós é fácil, mas que para ele é tremendamente difícil. Digo muitas vezes que para nós ir ao WC é uma tarefa normal. Para uma criança como ele, para algum dia ir ao WC sozinho, tem que aprender a:
1. Acender a luz
2. Puxar a roupa para baixo
3. Baixar a tampa da sanita
4. Fazer xixi
5. Limpar-se
6. Levantar-se
7. Puxar a roupa para cima
8. Abrir a torneira
9. Lavar as mãos
10. Fechar a torneira
11. Secar as mãos
12. Fechar a Luz

Neste momento o Afonso já sabe fazer o Acender a Luz sozinho! 😊Outra grande lição que aprendi com o meu filho, foi que à noite também dão bons filmes na TV. Uma criança com Angelman chega a dormir 8 horas por semana, nos primeiros anos, pelo que a noite é sempre uma aventura, nunca sabemos a que horas vai acordar, nem se vai voltar a adormecer, mas só custam os primeiros 2 anos, depois as pessoas habituam-se. Acho imensa piada a todos os pais que têm filhos e se queixam que não dormem nada e eu penso «fazes isso 1 ano e queixas-te, agora imagina que o fazias há 13…».



Resta-me agradecer ao Ricardo por nos contar de uma forma tão verdadeira como é ser um Pai Especial!





terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Raríssimas, Raríssimas são as pessoas sérias

Vejo tanta gente chocada com a actual investigação à Presidente da Raríssimas, que ao que me parece andamos todos a viver num mundo cor-de-rosa cheio de unicórnios a passear. Mas quantas e quantas pessoas não se cruzam pelo nosso caminho que praticam um igual ou ainda pior abuso de poder? Dizer que a Sra. Dra. Presidente Paula Brito e Costa é alguém moralmente questionável é uma coisa, pensar que isto é um caso isolado ou até incomum é sermos uns hipócritas.

Quanto a esta Presidente, devo confessar que o que mais me impressionou foi o facto de o seu primeiro filho ter morrido de uma doença rara, facto que pelos vistos a levou a fundar a Raríssimas. Mas como é que alguém que sabe por experiência própria o quão estas crianças precisam de condições e de acompanhamento é capaz de alegadamente roubar dinheiro que iria ser directamente gasto para estes meninos? Mais, como é que alguém que passou por tal experiência perde qualquer sinal de sensibilidade e empatia? Isto sim, faz-me imensa confusão...




Agora Raríssimas, Raríssimas são as pessoas que tendo a oportunidade de roubar, não o fazem, e que sabendo que alguém o anda a fazer decide contar o que sabe às entidades responsáveis. O que nos leva a tantos comentários maliciosos contra o tesoureiro que deu a cara, iniciando assim este escândalo: "Então e só agora é que se lembrou de contar?". Pois que levante aqui o dedo quem nunca soube de alguém que abusou do seu poder, cargos públicos ou não. Cobardes somos todos nós, que deixamos passar situações no dia-a-dia que só por não serem da instituição Raríssimas, não as torna menos graves ou moralmente aceites. E seguimos calados...

E agora? Parece ser essa a questão. Agora fala-se do assunto, depois daqui a uns tempos, quando alguém se lembrar de que ainda não se chegou a conclusão nenhuma vai-se fazer de conta que se está a trabalhar na investigação super independente. E depois siga para o mundial na Rússia, qual Raríssimas, qual quê! Enquanto isso a polícia judiciária vai aguardando com expectativa a atribuição de novas investigações por parte da Inspectora Ana Leal.