Ricardo Chaves apareceu nos nossos televisores como o ex-tesoureiro da Raríssimas. Hoje vamos pôr de lado as facturas e falar com o pai Ricardo.
1 - Para quem não
sabe, o Ricardo é pai de um menino com Síndrome de Angelman, uma condição
bastante rara. O que lhe passou pelo
coração quando o informaram acerca do diagnóstico?
O diagnóstico foi
no estrangeiro. Durante anos em Portugal, ninguém descobriu o diagnóstico do
Afonso. (...) Os médicos diziam que muitas vezes não se chega a descobrir o diagnóstico e que
também não era necessário, porque só seria importante, se existisse uma cura. Assim, durante anos, o Fonfas foi mais um que foi parar ao saco da Paralisia
Cerebral. Após um dia ter
ouvido da boca da neuropediatra do Afonso, que já não havia mais exames para
fazer em Portugal, decidi ir buscar uma
segunda opinião. Falei com o CIREN em Cuba que aceitou estudar o caso dele, íamos passar os dois, 3 semanas em Cuba! Por azar,
escassos dias antes da viagem, o Afonso faz uma fractura exposta num dedo da
mão e a viagem teve que ser adiada…
Entretanto, depois
de falar com alguns médicos, houve um que me falou no GOSH, o Great Ormond
Street Hospital, que é um dos melhores da Mundo em termos de neuro-pediatria. (...) Assim que chegámos, perguntei a um médico
se iam conseguir um diagnóstico para o Afonso e a resposta (comparar com o que
os médicos diziam em Portugal e tentar não rir) «temos a certeza que
encontramos o diagnóstico, se não encontrarmos, introduzimos os dados na nossa
base de dados, e seguramente que havemos de chegar lá».
Ao segundo dia fui falar com um médico, que me disse claramente que o Afonso
nunca iria falar. Foi um choque muito grande. Ainda lhe perguntei como poderia
ditar uma sentença dessas, se ainda não tinha feito nenhum exame, nem conhecia
o Afonso. Ele disse: «pela minha experiência, se uma criança com 6 anos, não
diz nenhuma palavra, dificilmente virá a falar em adulto». Lembro-me de ter
chorado a valer nesse dia, enquanto almoçávamos. Mas a verdade é que aquele
médico tinha razão e teve coragem para me dizer aquilo, em vez de me dar uma palmadinha
nas costas… O diagnóstico viria ao fim da tarde desse dia, quando uma fisiatra a quem
perguntei se conhecia outros meninos como o Afonso, me falou na síndrome do
Fantoche Feliz (Happy Puppet Síndrome), que era o outro nome porque são
conhecidos os Angelmans, porque quando pequenos estão sempre a sorrir e andam
com os braços no ar, como Fantoches.
Nessa mesma noite fartei-me de pesquisar vídeos no youtube e finalmente pude
relaxar, porque percebi o que seria o meu filho no futuro e o que poderia
esperar. Nos dias seguintes liguei para a linha rara e pedi que me pusessem em contacto com todos
os familiares de miúdos com Angelman em Portugal. Comecei a trocar emails com
eles, experiências, criámos uma comunidade e ao fim de um ano, foi fundada a Associação
Angel, da qual fui o primeiro presidente. Saí quando fui convidado para ir para
a direcção da Raríssimas, em Janeiro de 2016.
2 – Muitas vezes
estas crianças são olhadas pelos outros com um sentimento de pena. Eu gosto de
pensar que são um ser humano tal como nós, apenas com uma visão diferente do
mundo. Houve algum olhar ou alguma frase por parte de uma ou outra pessoa que o
marcou?
Ao princípio
custava-me um bocado que as pessoas o olhassem com pena, mas o Afonso quebra o gelo e abraça toda a gente. Eu tento fazer tudo o que posso com o
Afonso, até já o levei ao Estádio da Luz, não que ele perceba alguma coisa do
que se está a passar, mas tento proporcionar todo o tipo de experiências. Não
me preocupa o que os outros possam dizer ou como o possam olhar, se me
preocupasse com isso, teríamos que ficar fechados em casa e o Afonso adora
passear.
3 – As crianças
com Síndrome de Angelman são conhecidas por terem um sorriso contagiante. Esse
sorriso do seu filho contagia a sua família? Que sentimento lhe desperta esse
sorriso?
O Afonso não é
capaz de estar de mau humor, parece sempre feliz. É difícil que fiquemos
chateados, quando temos connosco alguém que está sempre a sorrir. Se faz uma
asneira e lhe levanto a mão e ele começa a rir, eu acabo por rir também. Não é
fácil chatearmo-nos com ele, nem mesmo quando ele se enfia todo vestido dentro
de uma banheira cheia de água, cinco minutos antes de sair de casa a uma
segunda de manhã (os anjos são fascinados por água).
4 - Muitas vezes a
sociedade associa este tipo de condições a sentimentos negativos. Pela sua
experiência, queria que contasse aos leitores quais são os aspectos positivos de
ser pai de alguém tão especial...
O Afonso
tornou-me uma pessoa muito melhor. Não tenho dúvidas que se não fosse por ele,
a vida ia-me passar completamente ao lado. Às vezes preocupamo-nos com coisas
tão insignificantes e não chegamos a dar o real valor às coisas que interessam.
Lembro-me durante
a minha carreira profissional de estar perante situações de imenso stress, e
estar toda a gente à minha volta a ‘passar-se’ e eu a dizer isto é um problema
menor, vai-se resolver, o do meu filho não, esse sim é um problema grave…
passei a encarar a vida de outra forma.
5 – Ricardo, acha
que é importante passar a mensagem de que as famílias que possuem um membro
diferente do que é considerado normal para a sociedade, são no fundo famílias
comuns? Ou por outras palavras, o que torna a sua família comum?
Não creio que
sejam famílias comuns. Ter uma criança diferente dá muito mais trabalho. Somos
obrigados a muito mais tarefas, é uma exigência muito maior a uma família com
crianças ditas normais. Creio que deveriam existir mais facilidades a nível de
emprego (redução de horário de trabalho por exemplo) para quem tem uma criança
diferente. Também deveria ser obrigatório o descanso do cuidador. Ou seja, o
Estado proporcionar a quem tem uma criança totalmente dependente, uma solução
para pelo menos uma vez por mês, os pais irem ao cinema, ou um fim-de-semana fora e pelo
menos uma semana de férias por ano, sem a criança. Os pais precisam de
descansar, porque é muito exigente física e psiocologicamente.
6 – E para
terminar, qual foi a maior lição que o seu filho lhe ensinou até hoje?
Já aprendi
imensas lições com o Afonso, em especial com a coragem dele e a força de
vontade para fazer aquilo que para nós é fácil, mas que para ele é
tremendamente difícil. Digo muitas vezes que para nós ir ao WC é uma tarefa
normal. Para uma criança como ele, para algum dia ir ao WC sozinho, tem que
aprender a:
1. Acender
a luz
2. Puxar
a roupa para baixo
3. Baixar
a tampa da sanita
4. Fazer
xixi
5. Limpar-se
6. Levantar-se
7. Puxar
a roupa para cima
8. Abrir
a torneira
9. Lavar
as mãos
10. Fechar
a torneira
11. Secar
as mãos
12. Fechar
a Luz
Neste momento o Afonso já sabe fazer o Acender a Luz sozinho! 😊Outra grande lição que aprendi com o meu filho, foi que à noite também dão
bons filmes na TV. Uma criança com Angelman chega a dormir 8 horas por semana,
nos primeiros anos, pelo que a noite é sempre uma aventura, nunca sabemos a que
horas vai acordar, nem se vai voltar a adormecer, mas só custam os primeiros 2
anos, depois as pessoas habituam-se. Acho imensa piada a todos os pais que têm
filhos e se queixam que não dormem nada e eu penso «fazes isso 1 ano e
queixas-te, agora imagina que o fazias há 13…».
Resta-me agradecer ao Ricardo por nos contar de uma forma tão verdadeira como é ser um Pai Especial!